"O Twitter tem sido uma armadilha fatal para os jornalistas", é o título de uma peça publicada na parte noticiosa do Sapo. Eu não teria lá chegado se o título não tivesse sido tuítado: prefiro usar agregadores de notícias em que confio, isto quando não vou diretamente aos meios, ou os agrego eu usando as ferramentas tecnológicas ao dispor.
Tudo na pretensa notícia está errado. A autora tinha uma ideia (a de que o Twitter é "mau") e para a passar (ver actualização, em baixo) parte de um facto, que interpreta erradamente, e vai de distorção e erro em distorção e erro até à conclusão final. De caminho cita um professor universitário para emprestar credibilidade à sua própria opinião. Acontece aos melhores e o problema não está, obviamente, no que disse Hélder Bastos.
A peça, enquanto opinião, poderia ter algum valor. Podia estar alicerçada numa demonstração de factos. Podia usar a eloquência, podia usar a lógica. Estaria certo, seria leal para com o leitor. Mas não foi o que se passou: pega-se num facto, interpreta-se ao contrário e tiram-se conclusões gerais que nada têm a ver com a origem do facto, publicando o resultado final num sítio que tem notícias.
Desmontando a "notícia":
1. O "obscuro utilizador" breakingnews é, na realidade, propriedade da cadeia MSNBC, referida na peça como tendo usado "enganadamente" a informação pretensamente obtida a ler aquele tweet. Quando se passou precisamente o contrário. De posse de uma informação, a cadeia MSNBC fez o que é já rotina no seu modus operandi: meteu a informação em curto na conta @breakingnews (que, como o nome indica, é mesmo para isso). De nada disto nos informa a "notícia"; pelo contrário, desinforma, garantindo precisamente o oposto.
2. Tudo na "notícia" está redigido de forma a levar o leitor a crer que foi o malvado Twitter o culpado, quando o erro está na própria fonte. Os jornalistas da MSNBC foram induzidos em erro pelas etiquetas das câmaras de monitorização de vulcões (ver imagem abaixo da câmara que os enganou). Eles próprios, aliás, o explicaram -- mas quem escreveu a "notícia" não leu a explicação, ou se leu ignorou-a na altura da redacção, o que seria muito mais grave.
Eis a explicação, dada por Alex Johnson:
3. A cadeia de retransmissão Twitter, neste caso, fez o que está certo: retransmitiu a informação de fontes absolutamente credíveis. A conta @BreakingNews é uma das fontes Twitter com maior credibilidade. A sua fonte era uma fonte oficial islandesa. Se as primeiras duas fontes da informação original erraram, a responsabilidade principal é delas e não da cadeia de retransmissão.
Imaginemos que não havia Twitter. A MSNBC dava o breaking news da actividade vulcânica em antena. As outras cadeias e jornais o que faziam? Iam a correr comprovar a fonte, ou publicavam? Uma minoria não daria sem confirmar pelos seus próprios meios, mas a maioria retransmitia ao mesmo tempo que destaca alguém para averiguar e seguir os desenvolvimentos. É a prática corrente: avaliar o risco, ficar de fora ou entrar e procurar apanhar o fio da meada.
Imagino o título da correspondente "notícia", cuidadosamente colocado entre aspas para parecer uma citação que tem alguma coisa a ver com o assunto (basta ler o que disse o Hélder para perceber que é um abuso puxar aquilo para título): "a televisão tem sido uma armadilha fatal para jornalistas".
4. Se um jornalista transmite uma informação sem a confirmar, o problema é do meio utilizado para a obter?
É isso que fica entendido na peça. Digamos que é subverter a ordem natural da cadeia de responsabilidade. Se uma fonte oficial dá uma informação, a sua credibilidade é elevada. O jornalista pode passar a informação em breaking news, tratando do seu aprofundamento em seguida. Não é, de todo em todo, o mesmo que ler algo de uma fonte desconhecida, ou de credibilidade não avaliada, no Twitter e passá-lo como verdadeiro -- que é o que a "notícia" em análise nos quer fazer crer que aconteceu.
5. A assunção de que os "600" retweets (eram mais de 800 já na altura, mas isso agora não interessa) constituem uma medida do "sucesso" do tweet de origem obscura e mentiroso que enganou as pobres televisões, com o intuito de reforçar o lado "perigoso" do Twitter, é um disparate que não resiste a uma verificação mínima do que se passa normalmente com a conta @breakingnews, que tem um alto perfil e 1,7 milhões de followers. A título de exemplo, estoutro tweet recente teve mais de 800 retransmissões diretas e mais de 7.000 indiretas. A conta @BreakingNews está entre as mais retweeted, ou retransmitidas, o que nos dá uma indicação do prestígio de que goza.
Concluindo. Este caso é de facto um excelente exemplo do estado do jornalismo português (falo especificamente do jornalismo sobre as tecnologias e os novos espaços de fronteira por elas aberto, isso a que chamamos agora a web 2.0).
O Twitter é um pau de 2 bicos, disse -- e bem, porque o é -- o Hélder Bastos. O Sapo é um pau de 2 bicos, digo eu: também é uma plataforma para passar como notícia uma informação mal fundamentada e interpretada. (O Sapo e qualquer outro website que publique notícias, não há aqui nada de particular, digo isto para evitar desde já mal entendidos e mal intencionados.)
Mas o caso da erupção é o último a invocar para explicar os perigos do Twitter. Exactamente porque os envolvidos no engano são fontes oficiais e jornalistas profissionais, não são fontes de credibilidade indeterminada e amadores ansiosos por brilhar no "tempo real". Podia ter acontecido noutro suporte ou meio à mesma equipa de 18 - jornalistas profissionais - 18 que editam a conta @breakingnews para a MSNBC.
Fontes complementares:
Tudo na pretensa notícia está errado. A autora tinha uma ideia (a de que o Twitter é "mau") e para a passar (ver actualização, em baixo) parte de um facto, que interpreta erradamente, e vai de distorção e erro em distorção e erro até à conclusão final. De caminho cita um professor universitário para emprestar credibilidade à sua própria opinião. Acontece aos melhores e o problema não está, obviamente, no que disse Hélder Bastos.
A peça, enquanto opinião, poderia ter algum valor. Podia estar alicerçada numa demonstração de factos. Podia usar a eloquência, podia usar a lógica. Estaria certo, seria leal para com o leitor. Mas não foi o que se passou: pega-se num facto, interpreta-se ao contrário e tiram-se conclusões gerais que nada têm a ver com a origem do facto, publicando o resultado final num sítio que tem notícias.
Desmontando a "notícia":
1. O "obscuro utilizador" breakingnews é, na realidade, propriedade da cadeia MSNBC, referida na peça como tendo usado "enganadamente" a informação pretensamente obtida a ler aquele tweet. Quando se passou precisamente o contrário. De posse de uma informação, a cadeia MSNBC fez o que é já rotina no seu modus operandi: meteu a informação em curto na conta @breakingnews (que, como o nome indica, é mesmo para isso). De nada disto nos informa a "notícia"; pelo contrário, desinforma, garantindo precisamente o oposto.
2. Tudo na "notícia" está redigido de forma a levar o leitor a crer que foi o malvado Twitter o culpado, quando o erro está na própria fonte. Os jornalistas da MSNBC foram induzidos em erro pelas etiquetas das câmaras de monitorização de vulcões (ver imagem abaixo da câmara que os enganou). Eles próprios, aliás, o explicaram -- mas quem escreveu a "notícia" não leu a explicação, ou se leu ignorou-a na altura da redacção, o que seria muito mais grave.
Eis a explicação, dada por Alex Johnson:
1. What happened with Hekla reports? We held off on first bulletins, awaiting second source, which was Iceland's RUV, streaming webcam ...
2. ... labeled "Hekla." We tweeted that, with link, as an "indication" that Hekla was erupting. Many retweets stripped out the hedging. ...3. ... Remember that that tweets, which stress speed, are only as good as original sources ^AJ
3. A cadeia de retransmissão Twitter, neste caso, fez o que está certo: retransmitiu a informação de fontes absolutamente credíveis. A conta @BreakingNews é uma das fontes Twitter com maior credibilidade. A sua fonte era uma fonte oficial islandesa. Se as primeiras duas fontes da informação original erraram, a responsabilidade principal é delas e não da cadeia de retransmissão.
Imaginemos que não havia Twitter. A MSNBC dava o breaking news da actividade vulcânica em antena. As outras cadeias e jornais o que faziam? Iam a correr comprovar a fonte, ou publicavam? Uma minoria não daria sem confirmar pelos seus próprios meios, mas a maioria retransmitia ao mesmo tempo que destaca alguém para averiguar e seguir os desenvolvimentos. É a prática corrente: avaliar o risco, ficar de fora ou entrar e procurar apanhar o fio da meada.
Imagino o título da correspondente "notícia", cuidadosamente colocado entre aspas para parecer uma citação que tem alguma coisa a ver com o assunto (basta ler o que disse o Hélder para perceber que é um abuso puxar aquilo para título): "a televisão tem sido uma armadilha fatal para jornalistas".
4. Se um jornalista transmite uma informação sem a confirmar, o problema é do meio utilizado para a obter?
É isso que fica entendido na peça. Digamos que é subverter a ordem natural da cadeia de responsabilidade. Se uma fonte oficial dá uma informação, a sua credibilidade é elevada. O jornalista pode passar a informação em breaking news, tratando do seu aprofundamento em seguida. Não é, de todo em todo, o mesmo que ler algo de uma fonte desconhecida, ou de credibilidade não avaliada, no Twitter e passá-lo como verdadeiro -- que é o que a "notícia" em análise nos quer fazer crer que aconteceu.
5. A assunção de que os "600" retweets (eram mais de 800 já na altura, mas isso agora não interessa) constituem uma medida do "sucesso" do tweet de origem obscura e mentiroso que enganou as pobres televisões, com o intuito de reforçar o lado "perigoso" do Twitter, é um disparate que não resiste a uma verificação mínima do que se passa normalmente com a conta @breakingnews, que tem um alto perfil e 1,7 milhões de followers. A título de exemplo, estoutro tweet recente teve mais de 800 retransmissões diretas e mais de 7.000 indiretas. A conta @BreakingNews está entre as mais retweeted, ou retransmitidas, o que nos dá uma indicação do prestígio de que goza.
Concluindo. Este caso é de facto um excelente exemplo do estado do jornalismo português (falo especificamente do jornalismo sobre as tecnologias e os novos espaços de fronteira por elas aberto, isso a que chamamos agora a web 2.0).
O Twitter é um pau de 2 bicos, disse -- e bem, porque o é -- o Hélder Bastos. O Sapo é um pau de 2 bicos, digo eu: também é uma plataforma para passar como notícia uma informação mal fundamentada e interpretada. (O Sapo e qualquer outro website que publique notícias, não há aqui nada de particular, digo isto para evitar desde já mal entendidos e mal intencionados.)
Mas o caso da erupção é o último a invocar para explicar os perigos do Twitter. Exactamente porque os envolvidos no engano são fontes oficiais e jornalistas profissionais, não são fontes de credibilidade indeterminada e amadores ansiosos por brilhar no "tempo real". Podia ter acontecido noutro suporte ou meio à mesma equipa de 18 - jornalistas profissionais - 18 que editam a conta @breakingnews para a MSNBC.
Fontes complementares:
- Conta dos editores da MSNBC encarregues do canal no Twitter: @breakingnewseds
- Notícia no HuffingtonPost (mal usada como "fonte" para a peça em análise): Hekla Volcano Activity Being Monitored Closely, Though Rumors Of Second Iceland Eruption False
- The Icelandic National Broadcasting Service, ou RUV, a fonte oficial que levou ao engano os jornalistas da MSNBC.
- Conta @breakingnews
- Página do histórico da ficha do Hekla na Wikipedia em inglês, vendo-se como o assunto teve afinal fraco impacto, sendo quando muito um exemplo da rapidez com que a web social corrige este tipo de problemas de comunicação.
Actualização: a autora da notícia, a jornalista Alice Barcellos, entrou em contato comigo. Tinha duas coisas a dizer-me: que não era sua intenção passar a sua opinião no texto e que -- e isto é importante -- o seu título não é o que saiu. O seu título original era (e ela tentará que venha a ser de novo, junto da editora): "Uma erupção que só durou algumas horas". O trabalho dos editores às vezes trai o jornalista no terreno.
3 comentários:
Excelente desmontagem.Obrigado pelo trabalho
Enfim os cães ladram e a caravana passa .... :-)
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