Tentando entender as reacções de ataque que um simples artigo de alerta motivou, acabo por reflectir que afinal não me visam particularmente sendo antes de auto-defesa. Vêm do mesmo baú da incompreensão da mudança que afecta também a "minha" indústria, a dos media.
Claro, não se trata só do mundo da comunicação profissional e da indústria dos media. Como sabemos, a extraordinária capacidade e versatilidade da informática, aliada às propriedades únicas do objecto digital e somada à rede de distribuição instantânea e global ainda conhecida por Internet, começou por destruir a negócio estabelecido da indústria musical.
No cerne das extremas modificações no status quo das indústrias musical, dos meios de comunicação de massas, e da publicidade, está sempre o mesmo item. Também o encontrámos na questão da Wikipedia, quando esta se colocou a meio da década.
É realmente simples, tão simples que nem o vemos mesmo que estejamos a olhar nas direcção certa -- o que é raro.
Tem tudo a ver com o controlo.
Quem perdeu alguma coisa com a Wikipedia? Não foi o conhecimento nem a cultura, assuntos mensuráveis apenas à luz de quem tenha régua para tal, réguas essas que vão variando com o tempo, o modo e o lugar. Não: quem perdeu alguma coisa com a Wikipedia foi a clique que detinha o controlo sobre o que era e não era conhecimento, e que tirava partido desse controlo imprimindo e vendendo o produto "conhecimento".
Quem perdeu alguma coisa com as mudanças na indústria musical? Não foram nem os músicos, nem as suas audiências. Uns e outros vão encontrando equilíbrios no novo paradigma de relação. Não: quem perdeu alguma coisa com o digital e a Internet foram as editoras que controlavam que artistas eram ouvidos por quem. O termo "editoras" aqui pode ganhar um sentido lato: com o passar das décadas do século XX o controlo estendeu-se dos produtores e dos consumidores também aos homens do meio, aos difusores de gosto. Exemplos, as playlists para a rádio e os crivos de distribuição de privilégios.
Quem está a perder alguma coisa com a modificação do ambiente dos media não são nem os produtores culturais, de entretenimento, diversão ou informação, que não têm mãos a medir para acorrer a tantas solicitações de um mercado ávido, mas sim quem controlava o transporte desses bens. Essa economia do transporte tem, nalguns casos, a ver também com a replicação, ou produção em massa desses bens.
Quem está a perder alguma coisa com as alterações profundas do relacionamento das marcas com as pessoas e vice-versa não são nem as marcas, que beneficiarão sempre da força de terem produtos ou serviços, nem os consumidores, ávidos de bens e de marcas e de interacções que os preencham. Não: quem vai perder na erosão da publicidade como a conhecemos são os indivíduos que estão a perder o controlo sobre a relação marca-consumidor. Esta existia verticalmente e está a horizontalizar-se, levando também à redução da importância de profissionais para o route flapping através dos media (vulgo publicitários). (Ou talvez, como tenho observado recentemente com casos portugueses, se desviem recursos da publicidade e marketing para o damage control e o spin, numa escala antes inimaginável, mas isto é tema para outra altura.)
O padrão repete-se em todos os exemplos, mais brutais ou menos brutais, do impacto do digital em rede sobre as economias que fizeram fortunas e indústrias nos séculos do paradigma Gutenberg: o controlo passa de uns poucos para muitos.
Tenho alguma pena dos poucos que não entendem isto e que lutam quixotescamente contra o vento que passou a soprar de outro quadrante. Entendo-os: como me dizia um amigo, "eles estão a tentar não perder as suas cotas". É disso que se trata, na realidade. Resistir até ao fim. Mais vale essa atitude do que fingir que se é "moderno" e se vai "abraçar a web 2.0", pensando que se mantém o controlo sobre os clientes.
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12 comentários:
Lúcido, muito lúcido, Paulo. Concordo em absoluto.
Vasco Trigo
Vasco, obrigado ;)
Ora cá está, concordo integralmente.
Gostei bastante
Pois, e isso posto num Português escorreito ainda seria mais compreensível.
jsp
João Geada, obrigado :)
Julio, não somos todos nóbeis, tentarei melhorar na próxima.
Muito bom artigo Paulo.
De facto, a perde de controlo continua a assustar muita gente. Uma reacção normal, um instinto de sobrevivência chamemos-lhe assim.
Seria de esperar que em Portugal, tendo em conta o atraso típico com que estas revoluções demoram a cá chegar, houvesse quem estivesse melhor preparado estudando e analisando as tendências que em outros países já se fazem sentir há anos. Mas ainda anda muita gente com a cabeça enterrada na areia à espera que a tempestade passe e que tudo fique como dantes. Quando finalmente se atreverem a espreitar não vão reconhecer a paisagem que foi alterada durante o tempo que desperdiçaram a ignorar o rumo dos ventos.
Bruno, obrigado!
Sim, instinto de sobrevivência. A primeira vez que o vi direto, olhos nos olhos, na indústria, foi na SIC, em conversa com um alto quadro. O caminho deles desde então (foi há un anos) comprova a escolha.
Contudo... não sei se estou tão pessimista... Sim -- a maioria cá optou por deixar andar o comboio, mas tenho visto crescer o número dos que se têm preparado e estão atentos. Falo em função de casos que conheço em primeira mão. O caso Vodafone, nos últimos dias aqui no Ondas, e o caso BES, que se passou comigo no Twitter e Facebook e que explicarei melhor em breve, aguardando oportunidade de publicação (por razões editoriais, não do caso propriamente dito).
Não estou optimista, mantenho uma distância crítica, mas vejo sinais a emergir que quero acompanhar.
Excelente artigo Paulo, concordo plenamente!
Paulo,
eu não estou pessimista... estou realisticamente desiludido com o panorama geral. Mas se calhar o problema são as minhas expectativas. Para quem, como eu, foi acompanhando este fenómeno em países como os EUA ou Reino Unido nos últimos anos, estas são questões que - na minha mente - já estão ultrapassadas. Esqueço-me por vezes que esta é uma realidade que ainda é nova junto das empresas portuguesas e como tal deve ser dado o devido espaço de experimentação.
Existem óbvias melhorias e o crescente interesse - por vezes excessivo - demonstra que, mesmo com atraso, estamos no rumo certo, ainda que tipicamente com o atraso temporal "habitual" para o nosso país.
Bruno, percebo-te tão bem... É a história da cebola. Das camadas. Costumo ilustrar com os livros em PDF. Há 2 anos, mais coisa menos coisa, Balsemão prefaciou um livro de Edson Athayde que saiu em PDF. Ambos ficaram muito contentes por terem feito o primeiro livro em PDF em Portugal -- o que era naturalmente falso para toda a gente, menos para a camada onde eles se inserem.
Mais recentemente, um observatório de comunicação português, depois de aturadas investigações ao longo de anos, supõe-se, publicou uma lista de "tendências" e "recomendações" para os jornais que foi notícia na agência e tudo. É irrelevante se aquele tipo de informação se encontra disponível na web há anos: o que interessa é que chegou agora aquela camada da "cebola" mediática. Já não é mau... Pela velocidade conhecida, de que tu falas, as tendências deverão ser reconhecidas, e as "recomendações" abraçadas, pelos decisores dos media portugueses algures entre o próximo Outono e 2011 -- e, garanto-te, farão isso com grande pompa, circustância e notícias nos seus prime-times.
É a cebola, perdão, a vida.
Agrada-me bem mais ver um artigo bem pensado do que o desfile habitual habitual entre publicitários a tentarem mostrar quem tem o maior orgão sexual.
Creio que muito desta aversão tem a sua origem num determinismo darwinista, em que muitos deles se vêm como os próximos na linha, depois da imprensa e rádio terem perdido muito da sua importância (a TV ainda vai resistir por uns valentes anos).
O panorama nonosso país encontra-se nainda numa fase 1.5, em que se assiste a muita remediação dos modelos de comunicação, assente num modelo industrial de sec XX e com práticas do sector desajustadas dos comportamentos dos consumidores. E como tu bem dizes, o controlo era uma das características dominantes desse modelo de comunicação, com o broadcast, o modelo de mass media, o comprar de "eyeballs" a dominar.
As novas plataformas de publicação foram (são ?) encaradas pelos autocracia dos mass media como um brinquedo efémero nas mãos do consumidor, preferindo ser ignorada a incorporarem essa tendência nas suas práticas.
Claro que o sector da publicidade prefere ficar lacaio de quem lhe pagou principescamente durante décadas: a subserviência de directores criativos a estratégias de marketing desfasadas do comportamento dos consumidores portugueses é por esta altura um elefante na sala que ninguém quer enfrentar.
A solução passa por uma fuga para a frente: lançar press releases intutulando uma campanha de viral, ou um site de 2.0, quando a empresa para a qual é feita não tem esses valores nos seus produtos e serviços. A mudança, como em muitas coisas na vida, tem que vir de dentro.
Será apenas quando as empresas começarem a incorporar atitudes e práticas colaborativas internamente — que inclusive podem passar por departamentos de web social — que podem começar a exigir às suas agências soluções web squared (sim, porque 2.0, já lá vão 4 anos FYI).
Serei dos primeiros a louvar as iniciativas bem feitas (lembro-me dos icones Ford Sapo, por exemplo), mas deveríamos ser nós publicitários a ter a preocupação de dar o exemplo. E ir contra os termos de serviço do Facebook, definitivamente um bom exemplo, por muito que queiram dourar a pílula.
E ir contra os termos de serviço do Facebook, NÃO É definitivamente um bom exemplo, por muito que queiram dourar a pílula.
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